- Pai...Papai Noel
existe?
A pergunta, secamente
formulada pelo filho na hora do jantar, foi como um soco certeiro na boca do
estômago. O pai se engasgou, soltou o garfo, já na altura da boca, no prato. O
barulho afiado da queda do talher sequer fez o filho piscar, ao contrário, ele manteve
o olhar fixo no pai, de forma inquisitorial, ávido por colher a resposta a sua
pergunta.
O pai perdeu o fôlego,
a cor e o apetite, mas ainda assim enfiou uma garfada de macarronada na boca
fingindo naturalidade. Recuparado o fôlego olhou friamente para o filho por
cima dos óculos, e com o canto do olhar fitou a esposa, que, enquanto secava a
louça, tratou logo de fingir não saber do sucedido, como quem diz “se vire”.
Não sabia como abordar
a questão. Decidiu, então, por ganhar tempo e ordenou:
- Filho, coma. Depois a
gente conversa.
A refeição se seguiu no
mais absoluto silêncio. As almôndegas, antes macias e saborosas, viraram pedras
no estômago do pai. Já o filho não teve problemas em acabar de jantar, a comida
estava boa e ainda haveria a sobremesa. O pai dispensou o pudim.
Findo o jantar a
família se dirigiu à sala. O pai muito rapidamente ligou a televisão no canal
de desenhos, mesmo sabendo que a hora já passara do horário estipulado para a
TV. Sentou-se no sofá com um livro nas mãos. Tudo na tentativa de driblar a
memória do filho, fazê-lo esquecer da pergunta. Foi em vão.
O filho, sentado ao
lado do pai, se levantou, se dirigiu até a TV e a desligou. Voltou e, de pé,
com sua altura de 8 anos, olhou novamente para o pai e disse-lhe:
- Pai, já jantamos. Podemos
conversar.
Agora o pai perdeu a
respiração. Ficou vermelho e começou a suar na já ampla testa. A mãe saiu da
sala com a desculpa de trocar as fraldas do bebê. Ele ficou ali, sentado,
acuado pelo filho e amordaçado pela maior de todas as dúvidas que já teve.
“Conto ou não conto, eis a questão”.
Decidiu pela verdade. O
problema é que o pai não era de rodeios e embromações. Era direto e objetivo,
quase grosso. Mas não queria ferir o coração do filho com a verdade nua e crua.
Precisaria prepará-lo para a grande descoberta da infância. Tentou de alguma
forma ser um pouco ameno e começou a explicar coisas como o que era o espírito
de Natal. Prosseguiu falando de lendas, estórias que os avós dos nossos avós
contavam, e assim por diante. Mas ele não tinha muito jeito para esse falatório
todo. Não é a toa que o filho logo o interrompeu fazendo-o restabelecer o foco:
- Paiêeeee..... fala
logo: Papai Noel existe?
O pai calou. Engoliu
seco, ajeitou os óculos sobre o nariz, pousou as mãos sobre as pernas e criando
coragem disse:
- Sim.... e não!
- Sim e não? Como
assim? Existe ou não?
Ele tentou resistir,
Deus sabe, mas não adiantou. Decidiu por abrir o jogo:
- Tudo bem filho, Papai
Noel não existe. É só uma representação do espírito de Natal.
O filho, aliviado, abre
os braços na altura dos ombros e os solta com força nas pernas produzindo um
estalo ao mesmo tempo em que grita:
- Arre.... até que enfim!
Custava falar logo?
O pai sem entender absolutamente nada não
conseguiu deixar de perguntar:
- Você não está triste
filho? Por saber que Papai Noel não existe?
O filho responde:
- Mais ou menos, pai.
Mais ou menos!
O pai retruca:
- Como assim?
- Um pouco triste
fiquei, mas queria mesmo saber se ele existia para saber para quem eu devo
pedir um i-pad de presente. Agora sei que é pra você mesmo. Então pai, me dá um
i-pad... com 3G?
A reação do pai foi um
sentimento triplo: alívio por ver que o filho não sofria, surpresa por ver a
ausência de desapontamento e por fim orgulho por perceber que o filho herdara a
mesma objetividade, marca registrada sua.
Após todo aquele
momento de stress, seguido por um alívio em razão do desfecho não trágico,
concentrou-se apenas em contemplar o filho e percebeu ser ele o maior de todos
os presentes da vida, mesmo sem a intervenção do Bom Velhinho.
Mas ainda assim o filho
não ganhará o i-pad... ainda mais com 3G.