quinta-feira, 13 de abril de 2017

A discussão

Já no retorno à casa, saindo do areal e em meio ao longo trecho de restinga que separa a praia da rua de chão batido, divergiam em argumentos na iminência de uma peleja física. Discutiam os dois amigos de seis anos de idade sobre relevantes assuntos de seus universos.
Curioso como os conteúdos de interesse variam entre grupos, mas é fascinante como se alteram com o decorrer do tempo, com o passar da idade, tendo sempre, cada um desses interesses a mesma magnitude que nossos próprios assuntos assumem no tempo presente. Verdadeiros universos paralelos.
Os dois rapazinhos, embora muito bons camaradas que eram, discutiam sobre o que poderia ser denominado “o grau de gostosura” que cada um deles detinha. Um dizia “eu sou mais gostoso” e, ao mesmo tempo, agredia a si próprio com uma palmada no corpo. O outro, logo em seguida retrucava em tom áspero afirmando “claro que não, eu sou muito mais gostoso”, e repetia o estranho gesto de autopunição.
Em meio ao calor que transformava o trecho de restinga em uma verdadeira sauna natural sob o incandescente sol do verão, a aparente desavença se acalorava na mesma proporção em que os tapas evoluíam.
Me aproximei um tiquinho para averiguar, intrigada que estava com a cena toda e, ao fim, desvendei a razão da discórdia quando um dos meninos afirmou, quase como se soubesse da minha intenção de esclarecer o que sucedia:
- Pedro, eu sou muito mais gostoso que você porque os mosquitos me adoram!
Amo esse instigante, inocente e surpreendente ambiente infantil. Quem não?

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Felicidade

A música diz “tristeza não tem fim, felicidade sim...”

Será? Acho que não. Felicidade não tem fim não. Ela é contínua, onipresente, poderosa e envolvente.
Mas às vezes nos enganamos, pensamos que ela, a felicidade, deve se mostrar sempre em seu ápice, com todo o seu esplendor, como se ela simplesmente nascesse assim, completa, ampla e plena. Mas não. A felicidade se constrói. Tem que ser cultivada, regada, cuidada. Como uma massa de pão que depois de misturada, tem que ser duramente sovada para poder crescer até atingir o ponto de assadura para, ao fim, tornar-se o delicioso pão, tenro, saboroso e quentinho, fazendo com que a manteiga fresca derreta, e que se desmancha na boca num autêntico convite a um rápido passeio pelo firmamento.

Esse é o ponto mais alto da felicidade. Mas ela talvez não seja uniforme, linear, plana, como uma reta insonsa e sem graça. Fosse uma estrada, definitivamente não teria um traçado reto em uma planície. Estaria desenhada em curvas sinuosas, não raro perigosas, incrustada em encostas, por vezes sob rochas, percorrendo subidas e descidas íngremes e revelando a cada centímetro densas paisagens repletas de beleza. Não seria um desenho de traço regular em preto e branco. Ao contrário, seria feita de diversas linhas de diferentes calibres, colorido por mil cores de crayon, aquarela e cera. Teria texturas diferentes e formato irregular, porém encantador. E mesmo não concluído o desenho ou não percorrida a estrada inteira, ela ainda assim seria felicidade. Talvez não tenha apenas chegado a seu ápice.

E, voltando ao pão, assim como devoramos todo os dias diversos deles, a felicidade também se revela a todo momento, sob diferentes formatos e em distintas situações. Nem sempre em seu esplendor máximo, é verdade, pois precisa de aperfeiçoamento, precisa ser assada, montada como blocos de lego que se unem para alcançar o todo.

Esse auge nem sempre vivenciamos, ele é o resultado do encadeamento de cada um dos momentos que a vida nos propicia. Mas quando esse momento chega sabemos que ele é o resultado de um monte de coisa junto. Ele vem com um sabor indescritível e temperado com nostalgia, e todos os seus componentes, alguns até amargos, se revelam a um só tempo, como fossem parte de um filme instantâneo, quase imperceptível, mas que sabemos existir. E no momento em que esse auge é alcançado, os lábios tentam a todo custo encontrar as orelhas em um sorriso de quase espasmo, incontrolável e avassalador que faz com que o riso nos invada os olhos e o corpo inteiro. Cada membro do corpo parece se mover em uma sintonia orquestrada e regida por ela, a felicidade, que invade o sangue fazendo-o pulsar nas veias e a ecoar dentro do peito em uma harmonia tamanha em que de repente, num breve piscar dos olhos, tudo parece fazer sentido, como fosse um verdadeiro orgasmo da alma.

Descreveria a felicidade assim. Felicidade não tem fim... tristeza sim.