quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Filho de Deus


Escolhi a dedo a escola de meus filhos. Queria uma boa escola, mas uma escola católica, que adotasse os melhores princípios religiosos e da boa moral. Afinal sou católica, temente a Deus e, a bem da verdade, a escola me pouparia de uma tarefa, ou ao menos me ajudaria a bem desenvolve-la: educar meus filhos de acordo com os bons preceitos cristãos.
Devo admitir que dentro de meu propósito, a instituição escolhida me surpreende positivamente, não sem razão toma como nome o nome da mãe Dele.
Francisco tem se saído bem. Demonstra seus recentes conhecimentos religiosos nas conversas e nas inteligentes  e corriqueiras observações infantis que permeiam nosso nada monótono cotidiano. Lembro certa vez que ao brigar com o irmão mais novo chegou a adverti-lo afirmando que este não iria para o céu... Talvez nessa tenha exagerado, mas o exemplo bem demonstra seu avizinhamento com os  assuntos relacionados à divindade.
E justamente numa discussão sobre essa temática digladiavam-se certo dia Francisco e meu afilhado, Felipe. Diziam que Jesus achava isso, que Deus achava aquilo, e assim iam numa conversa interminável e de altíssimo nível filosófico para duas crianças de 5 anos recém feitos.
Eu mesma cheguei a me confundir a certa altura e, ouvindo as considerações dos jovens rapazes, resolvi intervir rapidamente para perguntar-lhes se eles se referiam a Deus ou a Jesus. À pergunta feita recebi um duplo e sonoro "dãhh". Disseram os meninos em coro: "Ué, Deus e Jesus são a mesma pessoa!". A palavra “são” soou muito enfática.
São? São a mesma pessoa? Perguntei a mim mesma! Tentei resgatar os fundamentos da Santíssima Trindade, difícil isso. O mistério central da fé e da vida cristã, verdade incompreensível, mas   relevada em Deus Todo Poderoso. Lembro da catequese que se refere à doutrina em que Deus Único seria a junção do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sendo o Pai criador, o Filho  salvador e o Espírito Santo santificador. Ou algo parecido.
Mas em assim sendo por que estariam os meninos se referindo a Deus e a Jesus a um só tempo. Deus pode ser o Deus único, mas a palavra também releva o Deus Pai. Admitir que falavam de  Deus único implicaria também admitir a procedência da observação dos meninos no sentido de que seriam de fato a mesma pessoa, Deus e Jesus. Mas também e principalmente seria admitir que já a essa altura da vida estivessem familiarizados com o conceito de Santíssima Trindade. Será que estavam??? Será que a escola já chegara a esse ponto?
Resgatei meus pensamentos do devaneio e, voltando à luz da razão, conclui que obviamente ainda não sabiam o que era a Santíssima Trindade, eu mesma (e toda a humanidade) tenho dificuldade em entender! Claro, portanto, que se referiam ao Deus Pai. E, partindo dessa premissa aí sim eles estariam errados na observação, pois partindo desse conceito Deus e Jesus seriam pessoas distintas.  Estabelecidos os pontos da controvérsia e alcançada a solução para o caso expliquei aos meninos:
- Crianças, na verdade, Deus e Jesus não são a mesma pessoa. Deus é pai de Jesus e Jesus é filho de Deus.
Quando proferi essas palavras a reação dos meninos foi tamanha como se houvesse eu cometido a maior das heresias. Estaria eu rompendo com o sistema filosófico religioso instituído pela escola por mim eleita? Fabiana, chamei a mim mesma, acorde mulher, são apenas crianças... ainda são apenas crianças.
Expliquei-lhes, então, que Jesus, o filho de Deus, veio a terra para salvar as pessoas, propagar o bem e combater o mal.
Os meninos ficaram pensativos chegando a elevar os olhos como se resgatassem na memória alguma informação correlata. E de fato estavam, pois prontamente me censuraram, se entreolharam, e meu afilhado Felipe me corrigiu dizendo:
- O filho de Deus que veio para a terra para salvar as pessoas e combater o mal, madrinha? Esse é o THOR, aquele... dos Vingadores!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Trânsito Desacorçoado



A mãe é um ser naturalmente atrasado. E como mãe que sou estava eu hoje mais uma vez atrasada e consequentemente estressada para levar as crianças para a escola. Então lá fui, metendo os dois pequenos no carro ao som de “vamos, rápido, vai”.


Já no trânsito caótico das 13:00 de nossa calma Curitiba lá eu ia em direção à escola e claro, com a falsa certeza absoluta de que provavelmente eu seria o único ser atrasado. Claro que não era.

Lá pelas tantas me proponho a mudar de pista, pois viraria à direita na Nilo Peçanha. Olho o retrovisor, olho o espelho lateral, sinalizo e levo o carro para a direita. Qual não foi minha surpresa quando vejo pelo espelho um carro surgir de lugar nenhum em alta velocidade, como se o sinal não estivesse fechado, e me lança uma sonora, longa e humilhante buzinada. Curitibano não gosta de buzina.

Ao som metálico do buzinaço, me assusto. Prontamente reajo mostrando aquele dedo do meio ao motorista desavisado e pronuncio, com toda a finesa e delicadeza aquelas previsíveis expressões de desaprovação: “Mas que merd..., seu filho de uma put..., caralh..., barbeiro desacorçodado, vai tomar bem no meio do seu c...”

Esqueci-me durante aqueles breves instantes de que não estava sozinha em meu automóvel, mas acompanhada por dois jovens rapazes de 3 e 5 anos de idade.

Assim que percebi esse fato, calei-me, olhei rapidamente para trás esboçando um sorrisinho amarelo. A cara dos dois era de espanto, do tipo “o que está acontecendo?”.

Antes que algum outro evento indesejado ocorresse resolvi olhar para a frente e continuar guiando, mas repassando a cena toda mentalmente me auto reprovando pela conduta explosiva e inapropriada. Pensei: “será que eles ouviram o que disse?” Repassei novamente, um a um, cada um dos palavrões muito bem pronunciados.
De repente o silêncio imaculado é interrompido. Nesse momento tive certeza de que eles obviamente ouviram tudo. E meu filho mais velho, o de 5 anos, me pergunta: 

- Mamãe, o que foi que você falou para aquele tio do outro carro?

Ele se referiu ao filho de uma p.... como “tio”?? Poxa vida, não podia deixa minha convivência comigo mesmo um pouquinho mais fácil? Mas de qualquer forma havia uma pergunta a ser respondida. Resolvi responder com outra indagação: 

- A mamãe falou alguma coisa Francisco? 
Ele retruca:

- Falou sim.... pra aquele tio, você chamou ele de alguma coisa, do quê, mamãe?

“Socorro”. Esse é um daqueles momentos em que você se vê na sainha justa e percebe que realmente deveria ter ficado calma e não aberto a boca. Já estava suando frio imaginando a qual das expressões de baixo calão meu filho se referia. Seria o “filho de uma p...”, o “caralh...” ou o “vai tomar no c...”? Mas graças ao Bom Deus, nessa Ele me ajudou. Francisco emenda sua pergunta anterior e indaga:

- Mamãe você chamou aquele tio de “desacorço...o quê”? Que é isso?

Ufa, a curiosidade dele se referia à expressão “desacorçoado”!!! Menos mal..., bem menos mal!

Mas lá estava eu em outra enrascada, pois afinal, o que é um ser desacorçoado? Peguei logo o celular e cometendo mais uma infração de conduta me ponho a procurar na internet no Priberam Dicionário o exato significado da expressão. E não é que não tinha! A informação era apenas no sentido de que significava o mesmo que descorçoado. Não ajudou muito. Joquei a palavra na pesquisa livre, ainda frente ao volante. E o significado apareceu: desacorçoado significava sem esperança, deprimido. Ou seja, estava bem mais eu desacorçoada do que o “tio” do outro carro. 

Expliquei pro Francisco o significado de desacorçoado. Ele não entendeu bem e muito menos meu outro infante. Mas pelo menos fugi da outra tarefa de explicar o significado das outras palavras proibidas. 

Mas ficou uma pulga atrás da orelha. Desacorçoado é uma palavra bem mais complicada do que aquelas outras, e ele me foi perguntar justamente sobre ela? Será que já sabe o significado das demais?

Bem, nessa altura dos acontecimentos melhor engolir a dúvida do que tirar a limpo.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Pelos na mão




Antes que alguém possa pensar coisa diversa, antecipo-me e respondo: Não, meus filhos ainda não atingiram a adolescência. Estamos ainda na primeira infância e nos fatos recheados de graça e da adorável inocência.
Francisco está com 5 anos e no Primeiro Ano do ensino fundamental. Dentre os importantes assuntos curriculares a turma está estudando sobre o pelo dos animais. Já avançaram bastante no assunto e já descobriram que vários bichos não têm pelos, como os passarinhos e os peixes. E em relação aos pelos as crianças já sabem que há várias cores e tamanhos, como os dos gatos, cavalos e cachorros.
Mas uma das mais interessantes surpresas dessa linha de pesquisa foi a descoberta de que os humanos, categoria que inclui não só eles mas os pais e as mães (os avôs, as avós e os primos, como bem observado por alguns coleguinhas), também são dotados de pelos. A descoberta veio durante a aula no momento em que a professora conduzia a pesquisa através da observação de figuras, retratos e do próprio corpo dos alunos.
Inegável como é interessante o momento da descoberta da criança, mas mais interessante é como a ingenuidade dessa descoberta pode afetar nossa mais íntima intimidade. É que lá pelo meio da tal pesquisa um coleguinha, para agregar à experiência, informou aos demais que o pai tinha tanto pelo que até tinha um bigode embaixo do nariz. Prontamente a outra coleguinha, no mesmo sentido da informação anterior do colega, participou aos alunos que a mãe, tal qual o pai do outro, também tinha um bigodão, mas que de vez em quando ela o depilava. Prosseguindo, um terceiro aluno, avançando nas descobertas, e logo após essa última informação, contou à turma que seu pai também depilava, mas que não era apenas o bigode.
A professora não quis me revelar quais crianças passaram tais informações e tampouco as partes do corpo depiladas. Prontamente fiz um retrospecto da minha vida após o nascimento de meus filhos buscando fatos depilatórios comprometedores meus e de meu marido. Bem... não tenho bigode e meu marido não se depila, pelos menos não a perna... e tampouco outras partes. Será que fui objeto de estudo da turma? O medo estampado na minha cara revelou à professora a minha temeridade e ela, solidária, me acalmou afirmando que o Francisco nada falara da mãe ou do pai. Ufa!
Mas insisti e perguntei se meu filho havia de alguma forma participado da aula. Então ela contou que uma das mais interessantes curiosidades manifestadas pelos alunos  foi o fato do ser humano não ter pelos na palma da mão e que esse fato gerou muita discussão.
Na hora não pude deixar de lembrar como a possibilidade de existência de pelos nas mãos pôde, tempos atrás, se mostrar controversa e temerosa para os adolescentes. Mas logo, me recuperando do breve devaneio, conclui que decididamente vivemos em outra época. Voltei a dirigir a atenção à professora que relatou as mais divertidas respostas. Contou-me que um dos alunos acreditava que a ausência de pelos nas mãos era para que os copos de vidro não escorregassem. Achei muito engraçado, mas confesso que a melhor de todas as respostas que me foram reveladas veio de meu filho, segundo o qual não temos pelos nas palmas das mãos para não sentir cócegas quando a fechamos!!

terça-feira, 26 de março de 2013

O Significado da Páscoa


- Francisco, meu querido, você já aprendeu o que se celebra na Páscoa?
Como ressurreição é uma palavra deveras complicada, tal qual “reveion”, que ninguém sabe ao certo como se soletra, o garoto contornou a dificuldade e respondeu:
- Páscoa, mamãe, é quando Jesus viveu de novo.
Após sua resposta sobreveio o mais absoluto silêncio que retrata o desenvolvimento de um grande raciocínio. Francisco, elevou os olhos, buscando respostas em sua pesquisa mental e perguntou:
- Mamãe, todo mundo vive de novo como Jesus viveu?
Hesito, repasso rapidamente minhas convicções religiosas, encho-me de dúvidas e, ao final de uns três ou quatro segundos de intensa reflexão, decidindo não ser esta a melhor hora para uma análise crítica teológica, acabo optando por uma resposta mais simples, que na verdade de simples não tem nada. Digo-lhe:
-Mais ou menos, Francisco. Todos nós vamos viver de novo, mas será lá no céu com Jesus e apenas depois que morrermos!
Engoli seco e esperei o efeito de minha afirmação. Impressionante como a morte é um assunto complicado. Verdadeiro tabu. Certa de que árduas perguntas viriam de meu filho, abordando a mortalidade humana bem como o verdadeiro paradeiro de Deus e o correto endereço do céu, preparei-me para o que pareceria se traduzir em uma verdadeira batalha argumentativa.
Olhei para os olhos vorazes de curiosidade de meu filho e esperei pelas perguntas que viriam. Poderiam ser infinitas, e eu não tenho a resposta para nem meia dúzia delas.  Pensei: é claro que ele vai querer saber exatamente onde fica o céu, ou ainda como pode alguém morrer e viver de novo! Socorro!
Confesso que me surpreendi com o rumo que a conversa tomou. Francisco abordou outro ângulo da questão e disse:
- Mamãe, Jesus viveu de novo e nunca mais morreu?
Confirmei a resposta, quem não o faria? Então ele solta essa:
- Mas então ele fica por aí voando, meio invisível? Como o Batman?
Uou!!! Da próxima vez vou me contentar a perguntá-lo o que ele comeu no lanche, será mais fácil.

 

 

 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Santa Maria: Rogai por nós





Há algum tempo venho me perguntando: Como sobrevivi?
Essa pergunta de tempos em tempos me assombra, e nesse início de ano ela novamente me visitou, mas agora as circunstâncias a fizeram retornar com toda a sua fúria. E eu volto a indagar a mim mesma: como sobrevivi? Como todos nós sobrevivemos?
Como passamos ilesos pela nossa juventude? Por aquela época feroz, dominada pelo desejo intenso de viver todas as possibilidades e aventuras, pelo anseio ferrenho de não deixar a vida passar sem estar presente, sem se fazer presente. Rodeados pelos amigos em festas e baladas, completamente expostos na terra sem lei que são as tão esperadas noites de imensurável diversão.
Quando recordo momentos da minha vida, passados há quinze, vinte anos, não consigo conter o sorriso recheado de contentamento e nostalgia. A saudade senta-se a meu lado e juntas rimos das mais variadas situações vividas dentre constrangimentos, alegrias e sandices praticadas naquele tempo em que a imaturidade ou mesmo a fé em nós mesmos nos angariava super poderes, capazes de nos proteger do tempo e do espaço, livrando-nos de quaisquer infortúnios.
Hoje, logo após o riso, eu e ela - a saudade - não conseguimos conter sentimentos opostos àquela alegria. A tristeza e o medo nos assolam. Mais uma vez indago: como sobrevivi? Como passei incólume por aquela juventude? E quando olho para meus filhos, hoje ainda com cinco e três anos de idade, o medo se instala e torna turvo o futuro. Se de um lado pergunto-me como sobrevivemos, de outro não posso deixar de formular a mesma pergunta, agora dirigida a um futuro obscuro e temeroso. Um futuro tornado cada vez mais temido e que se mostra incrustrado por obstáculos e armadilhas cada vez mais astutas.
Se o futuro a Deus pertence, rogo-Lhe que olhe por nossos filhos. Que dê a eles a mão e o direcionamento necessários quando a razão lhes faltar, que os protejam quando o mal se apresentar, que os levantem quando caírem e que os impeçam de sucumbir quando se atirem à vida. Que eles também sobrevivam.
Amém.