segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Banho de mar

A brisa morna embalava brandamente a infinita piscina esverdeada. O sopro vespertino criava uma constante ondulação que assumia a forma de delicadas rendas brancas, suavemente coloridas pelo dourado ocre do sol já poente. Insistiam sempre em se desmantelar quando em choque com seu corpo quase nu, desequilibrando-a de tal forma que para se manter em pé lançava-se constantemente contra elas em uma simbiose única.

No horizonte mínimas luzes coloridas demarcavam a proa e a popa de grandes embarcações cada vez mais longínquas em busca do incógnito, enquanto a Lua se revelava na exata medida em que o colorido do céu cedia para um tom azulado, progressivamente mais uniforme. Algumas estrelas já rompiam com seu brilho o tecido cada vez mais escuro que começava a cobrir a noite.

A temperatura agradável da água convidava para um mergulho e a certeza de que com ele o mar levaria o peso e a angústia tornaram esse mergulho uma realidade que se repetia a cada onda que se aproximava, engolindo seu corpo inteiro como que impossível distinguir se o mar a consumia ou se ela a ele se lançava.

Mas o mar não levou nem o peso nem a angústia, que insistiram em permanecer sobre os ombros e dentro do peito. Deixou a praia.


Talvez amanhã....

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Escolha


Percebeu-se presente no exato instante em que o encontro com a solidão mostrou-se inadiável, embora não previamente marcado. Não importa o quão satisfeito com a vida se está, com as amizades, conquistas ou amores, inevitavelmente este momento chegará e se aperfeiçoará no preciso interregno em que relevantes decisões precisam ser tomadas, em que opções precisam ser feitas.

Em tal momento, acompanhado apenas dela, da solidão, viu-se diante de mais de uma possibilidade. Todas, contudo, impossíveis de coexistir. O impasse: a decisão pelo caminho a trilhar implicará necessariamente uma renúncia. Indaga, então, em seu âmago: “como fazer a opção certa?” Vai além: “há opção certa?”

Esta incerteza parece-lhe impossível de ser colmatada. Ávido por respostas, busca nas redondezas lampejos que lhe pudessem fornecer auxílio. Em vão. Está em meio do nada, como que naufragado na ausência. Largas e altas paredes o separam de tudo e todos, há no ambiente apenas seu ser e as opções que a vida lhe coloca à escolha. Nada lhe poderá fornecer ajuda, apenas sua consciência, sua vontade e percepção.

Fácil retroceder o olhar e avaliar as opções feitas em outros tempos, avaliá-las e julgá-las a partir do entorno. Mas agora é diferente, precisa decidir sem esses elementos.

Recorre por fim, à fração mais recôndita de seu coração, aos valores que nutre e que o ensinaram a viver e, norteado por eles, entrega-se à intuição com confiança tamanha que esta o leva a seguir, talvez já sem dúvidas, de que o caminho certo é  justamente o caminho de sua escolha. 

Imagem por Max Ribeiro em: facilitacaografica.blogspot.com.br/2017/01/escolha.html





quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A pergunta

Perguntou-lhe:
- Quem é você?
A resposta automática e instantânea:
- Sou mulher.
A pergunta insiste:
- Que mulher é você?
Menos automaticamente, mas ainda de forma instantânea, responde:
- Sou mãe, esposa, companheira, filha, irmã, amiga, inimiga, operária, provedora, confidente.
Faz-se um silêncio sepulcral, fita-a nos olhos por longos segundos e novamente indaga:
- Mas... quem é você ?
Naquele instante, tão breve e eterno, compreendeu que se afogava em um mar de incertezas. Sequer dúvidas havia, pois nesse emaranhado de indefinições eram inexistentes as condições de pontuá-las.

Compreendeu, contudo, a inteireza e profundidade da pergunta e, na total ausência de respostas, lançou-se de corpo em busca de sua alma.