segunda-feira, 15 de abril de 2024

O Taekwondo e os sentimentos que vivem em mim

Neste Campeonato Brasileiro de Taekwondo meu filho foi acompanhado por mim. Pela primeira vez viajamos apenas eu e ele para competir. Um grande desafio não apenas para ele, mas sobretudo para mim.

A viagem de ida foi divertida. Fomos em quatro pessoas. Eu e uma amiga com nossos dois filhos. Nas oito horas de carro que nos levaram até Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, compartilhamos momentos incríveis e que só foram possíveis em razão da conexão entre nós quatro. Pessoas diferentes que souberam encontrar nas diferenças fortes pontos de contato que as unem. Entre os meninos o tempo passava com conversas engraçadas, jogos e brincadeiras. Entre nós, com conversas, reflexões e trocas de experiências. Só esse trajeto de ida, pra mim, já fez valer a pena.

Mas a leveza da estrada talvez escondesse, no fundo de nossos corações, mães e amigas, uma apreensão. Os dois meninos, muitos amigos, com idades próximas, inseridos na mesma categoria de competição, sob a tutela do mesmo Mestre, e ambos exímios lutadores, talvez se enfrentassem... provavelmente se enfrentariam! Era um cenário que a cada quilômetro rodado se tornava mais claro.

Quanto a mim, não gostava nem mesmo de pensar nessa possibilidade. Mas não lograva controlar meus pensamentos. Ansiosa que sou, me via em mil conjecturas, antecipava, com receios, possíveis sentimentos meus e de meu filho. E nessas mil hipóteses me via falhando como mãe. Talvez incapaz de confortá-lo na derrota, de festejá-lo na vitória, e mesmo de compreender o processo. Não apenas o processo dele, mas principalmente o meu. Qual seria o meu papel e como eu o desempenharia. Reafirmei em mim o que a vida já me provara em outras ocasiões: ser mãe não é tarefa fácil.

E em meio a esses devaneios chegou o dia da luta. E logo chegou o momento!

Entre centenas de atletas, em um ambiente em que a tensão era o pesado ar que respirávamos, nossa previsão se confirmou. Os dois garotos foram colocados frente a frente no ringue. Na minha cabeça eu compreendia, mas no coração o sentimento era amargo.

Era um ringue com uma seleção de grandes atletas da categoria de Faixas-Pretas Primeiro Dan. Dentre eles apenas três Faixas Vermelhas-Pretas (a categoria anterior). E dois deles eram nossos guris. Eram, assim, os menos graduados, mas sem dúvidas os maiores gigantes daquele desafio.

À medida que o tempo passava e a hora da luta se aproximava sentíamos a tensão aumentar nos meninos. Mas sobretudo também em nós. Quanto a mim, afirmo que verdadeiramente sofri. Borboletas voavam na minha barriga em uma velocidade impulsionada pelo acúmulo da minha tensão e da que sentia pelo meu filho. A mães verdadeiramente somatizam os sentimentos dos filhos. Estou convicta de que não há ninguém mais feliz com suas vitórias, mas também não há ninguém que sinta mais seus anseios, seus medos, suas inseguranças e incertezas. E assim eu estava. Sofria por mim e sofria por ele. E o sofrimento dele doía mais em mim.

Embora não aparentasse o mesmo nervosismo que eu sentia, tenho certeza que minha amiga compartilhava da mesma angustia. Talvez ela disfarce melhor, ou esteja mais acostumada, ou talvez tenha vivido mais o processo no qual estávamos inseridas. Mas sem dúvida, aquele estava sendo um dia difícil!

Quando nossos filhos lutam com adolescentes que não conhecemos é muito fácil torcer pela vitória. É fácil demais! É gostoso! Mas quando o adversário é um amigo e quando a mãe do amigo é sua amiga... a coisa toda muda! O que era fácil torna-se difícil, ambíguo, contraditório e desafiador. É como se brilho das cores se tornasse opaco, como se a visão se afunilasse para nada mais importar em volta, como se o corpo gritasse em silêncio.

E foi exatamente assim. Quando chamaram os dois frente a frente, aquele turbilhão de emoções já aflorados berrava em meu peito. As borboletas na barriga me impediam de pensar em qualquer coisa e apenas torcia para o tempo passar o mais rápido possível.

O som da inevitabilidade foi finalmente ouvido quando chamaram seus nomes. Sentei para que as pernas não falhassem. Minha amiga se afastou para experienciar o momento em sua própria companhia. E assim assistimos a luta, separadas e com a resignação de que ela já era a realidade.

Eles lutaram lindamente. Chutes perfeitos, movimentação intensa, giros e saltos precisos. A medida em que o placar se movimentava a ansiedade aumentava. A luta parecia não ter fim. E não tinha. Durou o momento de uma eternidade. Sentia que os garotos estavam imersos em um mundo só deles, delimitado pelas quatro arestas do tatame onde mais nada importava. A dedicação era total. Não viam mais o amigo do outro lado, mas um adversário à sua altura. Lutaram forte, lutaram intensamente, e sobretudo com respeito.

Quando a luta enfim acabou, veio o alívio. Mas com ele surgiram uma série de outros sentimentos. A vitória de um e a derrota de outro eram um fato que nos afetava a todos. E foi quanto compreendi a finalidade de tudo. De vivenciar a intensidade e a riqueza do processo.

Talvez nunca tenha entendido, como dessa vez, a riqueza subjacente a uma competição, sobretudo entre amigos. Talvez nunca tenha aprendido tanto de uma relação de amizade. A forma como abordamos o fato que os meninos viveram e que nós vivemos foi incrível. A minha amiga talvez não tenha sentido tudo o que senti porque ela já vivera o processo antes. E tenho essa impressão a partir da maturidade e da humanidade que orientaram nossas conversas posteriormente.

Só tenho a te agradecer, minha amiga. Por fazer parte de um momento em minha vida onde aprendi tanto. E aprendi não só com ele, meu filho, mas também contigo. Se nosso legado é a forma como impactamos a vida do outro, saiba que você tem mim uma parte desse legado.

Sigamos!

 

 

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