Neste Campeonato Brasileiro de Taekwondo meu filho foi acompanhado por mim. Pela primeira vez viajamos apenas eu e ele para competir. Um grande desafio não apenas para ele, mas sobretudo para mim.
A viagem de ida foi divertida. Fomos
em quatro pessoas. Eu e uma amiga com nossos dois filhos. Nas oito horas de
carro que nos levaram até Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, compartilhamos
momentos incríveis e que só foram possíveis em razão da conexão entre nós
quatro. Pessoas diferentes que souberam encontrar nas diferenças fortes pontos
de contato que as unem. Entre os meninos o tempo passava com conversas
engraçadas, jogos e brincadeiras. Entre nós, com conversas, reflexões e trocas
de experiências. Só esse trajeto de ida, pra mim, já fez valer a pena.
Mas a leveza da estrada talvez
escondesse, no fundo de nossos corações, mães e amigas, uma apreensão. Os dois
meninos, muitos amigos, com idades próximas, inseridos na mesma categoria de
competição, sob a tutela do mesmo Mestre, e ambos exímios lutadores, talvez se
enfrentassem... provavelmente se enfrentariam! Era um cenário que a cada
quilômetro rodado se tornava mais claro.
Quanto a mim, não gostava nem
mesmo de pensar nessa possibilidade. Mas não lograva controlar meus pensamentos.
Ansiosa que sou, me via em mil conjecturas, antecipava, com receios, possíveis
sentimentos meus e de meu filho. E nessas mil hipóteses me via falhando como
mãe. Talvez incapaz de confortá-lo na derrota, de festejá-lo na vitória, e
mesmo de compreender o processo. Não apenas o processo dele, mas principalmente
o meu. Qual seria o meu papel e como eu o desempenharia. Reafirmei em mim o que
a vida já me provara em outras ocasiões: ser mãe não é tarefa fácil.
E em meio a esses devaneios chegou
o dia da luta. E logo chegou o momento!
Entre centenas de atletas, em um
ambiente em que a tensão era o pesado ar que respirávamos, nossa previsão se
confirmou. Os dois garotos foram colocados frente a frente no ringue. Na minha
cabeça eu compreendia, mas no coração o sentimento era amargo.
Era um ringue com uma seleção de
grandes atletas da categoria de Faixas-Pretas Primeiro Dan. Dentre eles apenas
três Faixas Vermelhas-Pretas (a categoria anterior). E dois deles eram nossos
guris. Eram, assim, os menos graduados, mas sem dúvidas os maiores gigantes
daquele desafio.
À medida que o tempo passava e a
hora da luta se aproximava sentíamos a tensão aumentar nos meninos. Mas
sobretudo também em nós. Quanto a mim, afirmo que verdadeiramente sofri. Borboletas
voavam na minha barriga em uma velocidade impulsionada pelo acúmulo da minha
tensão e da que sentia pelo meu filho. A mães verdadeiramente somatizam os
sentimentos dos filhos. Estou convicta de que não há ninguém mais feliz com suas
vitórias, mas também não há ninguém que sinta mais seus anseios, seus medos,
suas inseguranças e incertezas. E assim eu estava. Sofria por mim e sofria por
ele. E o sofrimento dele doía mais em mim.
Embora não aparentasse o mesmo nervosismo
que eu sentia, tenho certeza que minha amiga compartilhava da mesma angustia. Talvez
ela disfarce melhor, ou esteja mais acostumada, ou talvez tenha vivido mais o
processo no qual estávamos inseridas. Mas sem dúvida, aquele estava sendo um
dia difícil!
Quando nossos filhos lutam com adolescentes
que não conhecemos é muito fácil torcer pela vitória. É fácil demais! É
gostoso! Mas quando o adversário é um amigo e quando a mãe do amigo é sua amiga...
a coisa toda muda! O que era fácil torna-se difícil, ambíguo, contraditório e
desafiador. É como se brilho das cores se tornasse opaco, como se a visão se
afunilasse para nada mais importar em volta, como se o corpo gritasse em
silêncio.
E foi exatamente assim. Quando
chamaram os dois frente a frente, aquele turbilhão de emoções já aflorados
berrava em meu peito. As borboletas na barriga me impediam de pensar em qualquer
coisa e apenas torcia para o tempo passar o mais rápido possível.
O som da inevitabilidade foi
finalmente ouvido quando chamaram seus nomes. Sentei para que as pernas não falhassem.
Minha amiga se afastou para experienciar o momento em sua própria companhia. E assim
assistimos a luta, separadas e com a resignação de que ela já era a realidade.
Eles lutaram lindamente. Chutes
perfeitos, movimentação intensa, giros e saltos precisos. A medida em que o placar
se movimentava a ansiedade aumentava. A luta parecia não ter fim. E não tinha.
Durou o momento de uma eternidade. Sentia que os garotos estavam imersos em um
mundo só deles, delimitado pelas quatro arestas do tatame onde mais nada
importava. A dedicação era total. Não viam mais o amigo do outro lado, mas um
adversário à sua altura. Lutaram forte, lutaram intensamente, e sobretudo com
respeito.
Quando a luta enfim acabou, veio o alívio. Mas com ele surgiram uma série de outros sentimentos. A vitória de um e a derrota de
outro eram um fato que nos afetava a todos. E foi quanto compreendi a finalidade
de tudo. De vivenciar a intensidade e a riqueza do processo.
Talvez nunca tenha entendido,
como dessa vez, a riqueza subjacente a uma competição, sobretudo entre amigos.
Talvez nunca tenha aprendido tanto de uma relação de amizade. A forma como
abordamos o fato que os meninos viveram e que nós vivemos foi incrível. A minha
amiga talvez não tenha sentido tudo o que senti porque ela já
vivera o processo antes. E tenho essa impressão a partir da maturidade e da humanidade que
orientaram nossas conversas posteriormente.
Só tenho a te agradecer, minha
amiga. Por fazer parte de um momento em minha vida onde aprendi tanto. E
aprendi não só com ele, meu filho, mas também contigo. Se nosso legado é a
forma como impactamos a vida do outro, saiba que você tem mim uma parte desse
legado.
Sigamos!
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