As quatro anos de idade meu filho mais velho mudou de
escola. Até está idade frequentava uma escola adorável, em outro bairro da
cidade. Professoras dedicadas, ambiente agradável e uma coordenação impecável.
Eu adorava a escola quase tanto quanto ele, pois ele realmente a amava.
Começou a frequentá-la com dois anos. Portanto, ficou lá
por outros dois. Embora não pareça muito tempo, certamente muita coisa
aconteceu em sua vida nesse curto período, e entre elas meu pequeno conheceu
seu primeiro amor: uma doce menininha chamada Fernanda, a Nanda.
Era uma graça, claro que não tanto quanto ele, mas era
formosinha. Seu amor pela garotinha era recíproco. Certa vez deu-lhe um anel de
plástico de presente, parecido
com aqueles que vinham em sacos de pipoca doce. Ela se encantou. Mulher gosta de joia! Ela não o tirou do
dedo por mais ou menos duas semanas. Depois disso não sei bem o que aconteceu,
pois não mais exibiu o apetrecho. Talvez o tenha engolido e nessa hipótese
certamente a mãe não deve ter se interessado em resgatar o badulaque.
Em retribuição ao presente ela lhe deu um ioiô. O brinquedo
também sumiu depois de um tempo. Não, meu filho não o engoliu, era muito grande
para isso e especialmente para o passo seguinte. Era verde, do Ben 10. Ele
ainda não conhecia o personagem, mas sabia precisamente quem o lhe dera, a doce
Nanda, e isso o deixava muito feliz.
Findo o ano e as férias escolares de verão, iniciava-se a
nova experiência de meu menino na outra escola. Estrearia no Colegião. Confesso
que me surpreendi, pois adorou a escola nova, quase tanto quanto a antiga. Era
grande, colorida, alegre.
Mas as lembranças do amor não abandonam facilmente um
homem e, mesmo que eu lutasse para libertá-lo, as memórias de Fernanda
persistiam incrustadas em seu ingênuo coração.
Já algumas semanas depois, voltávamos do Colegião e meu
pequeno se mostrava alegre, radiante com os novos amigos e em especial com
outra doce menina, Laura. Bem que minha mãe já dizia que nada nessa vida é
insubstituível. Nisso Laura veio a calhar.
Animada pelo progresso sentimental de meu pequenino, certo
dia, regressando da escola, tratei de perguntar-lhe, muito discretamente, sobre
Laura. Os olhos brilhavam entusiasmo enquanto ele descrevia seus dotes e
qualidades. Mas repentinamente, como em um arroubo de melancolia, seus olhos se
apagaram, se acinzentaram. Estávamos no carro e pelo espelho retrovisor
pareceu-me uma lágrima de tristeza a escorrer-lhe pelos olhos. Olhei melhor,
quase bati o carro, mas percebi, para minha felicidade, que não passava de um
pequeno feixe de luz em sua face.
Embora não chorasse, é certo que ele sentia falta da
garota. Lentamente levantou a cabecinha fitando-me, de trás do carro, pelo
espelho e desabafou:
- É mamãe, a Fernanda não mudou de escola. Que pena! Que
pena que não deu tempo!
“Não deu tempo? Não deu tempo de que?”, pensei. Curiosa, verbalizei
a pergunta e ele, para meu desespero, completou o desabafo anterior:
- Não deu tempo da gente se casar, mamãe!
Quase enfartei. Senti um formigamento no braço e uma
trincada no peito. Meus olhos ficaram turvos e por uma fração de segundo
percebi que em algum momento no futuro próximo
aquele serzinho não será mais meu. Será? Perguntei-me, afinal ainda só
tem quatro anos.
Meio sem fôlego, engasgada pela saliva, procuro avidamente
o que lhe dizer. Sim, pois o momento não poderia ficar sem uma resposta. Mas
dizer o quê? Antes tivesse pensado mais e melhor, pois o calor e o desconforto
daquele instante me fizeram atirar-lhe as seguintes palavras:
- Casar com a Fernanda pra quê? Você pode se casar com a
mamãe!
“Nooossa, que idiota!”, pensei. Cheguei a corar diante do
tamanho despautério. Ainda bem que ele ainda não percebe esse tipo reação.
Contudo, há coisas que a vida trata de ensinar ela mesma, sem as intervenções
nada inteligentes das mães. Com lucidez e serenidade meu filho retruca, quase
me repreendendo:
- Mas mamãe, eu não posso me casar com você porque você já
tem um papai!
Faz sentido. De fato já sou casada com o pai dele. Mas não
desisto de meu filho. Jamais poderia perder a batalha para a minha primeira
adversária, Fernanda. Lembro-me de Laura e ensino a meu filho, desta vez muito
mais sabiamente, que a fila anda e digo-lhe:
- Meu amor, a Fernanda é passado.
Ele enfim concorda e assente dizendo:
- É ... ela já era.