Francisco fica muito rouco. Com frequência perde a voz. Às
vezes com dor de garganta, outras sem, mas volta e meia ficamos sem ouvir sua
doce e estridente gritaria. Não que isso seja ruim, confesso que nossos ouvidos
agradecem, pois além de nossos tímpanos serem presenteados apenas com o gritedo
de Pedro, este também se põe a gritar bem menos, pois, criança solidária que é,
acaba deixando de acompanhar o irmão.
Mas os fatos, porque repetidas vezes ocorridos, nos preocupava,
mais a mim do que ao pai, confesso. Vai que há um calo em suas cordas vocais?
E, como mãe devota, histérica e psicótica que sou, achei por bem logo investigar
a razão dessa rouquidão que me afligia.
Ao contar minha aflição à pediatra, esta me olhou de lado
como quem resolve não contrariar e largou um pausado “t u d o b e m”,
me incentivando a procurar um
especialista. A julgar pela cara que fez cheguei a pensar que o especialista
era para mim, do tipo psiquiatra.
Liguei e marquei a consulta. Francisco foi revirado do avesso
e nada. Decidiu o doutor otorrino por requisitar alguns exames, dentre os quais uma laringoscopia.
Passados alguns dias retornamos ao consultório para a tal
laringoscopia. Eu já havia previamente alertado Francisco que não seria nada
fácil e sequer agradável. Antes não tivesse antecipado o terror, o menino mal
dormira no dia anterior. Quando o médico nos chamou na sala de recepção do
consultório, Francisco se levantou e com passadas bem lentas e calculadas foi
se aproximando da cadeira de exame. Não consigo imaginar o que tenha pensado
nessa hora, mas certamente posso supor o que pensou quando viu o equipamento
que em breve seria utilizado: um bastão do tamanho e espessura do cabo de uma
colher de pau com uma câmera amarrada na ponta.
Segurando o equipamento com as duas mãos o médico olhou com
carinho hospitalar para o Francisco e disse-lhe:
-Agora abra a boquinha pra gente fazer o exame na sua
garganta.
É certo que o pequeno pensou: “nem abrindo a boca esse treco
vai facilmente entrar na minha goela”. E ele tinha razão. Não foi nada fácil.
Tivemos eu e o médico que utilizar da força física para
segurá-lo. Como os pequenos podem ser fortes. Sai com o rosto e com o coração
arranhados. O rosto pelas unhas que nunca mais esquecerei de cortar e o coração
pelo olhar brilhante de lágrimas que suplicava-me por uma resposta à pergunta:
- Até tu mamãe? Por que me abandonaste?
Incrível como o olhar pode dizer mais do que palavras....
e como o coração pode escutar mais do
que os ouvidos.
Mas a sessão de terror não durou para sempre e depois de
concluída o médico apanhou um pote de vidro cheio de pirulitos, olhou para
Francisco e lhe ofereceu um dos doces. O menino mais do que prontamente sorriu
com verdadeiro contentamento segurando o pirulito com real devoção. Tratava-se
certamente de um pote mágico capaz de levar ao esquecimento as agruras da vida,
quisera eu ter um daqueles também.
Interessante... em apenas uma fração de segundo Francisco já
estava feliz e radiante. Esquecera a dor com tamanha simplicidade e facilidade
que me deu inveja, fazendo-me sentir idiota por ter sofrido em demasia o seu
sofrimento.
Já novamente na sala da recepção para marcar o retorno,
Francisco consegue abrir o doce que o médico lhe dera, revelando-o vermelho e
em formato de coração. Nesse instante olha-me com ternura, os olhos recheados
de carinho e me oferece uma lambida:
- Pra você mamãe!
Enternecida e mais uma vez valorando o sentimento
excessivamente, pergunto-lhe quase explodindo de tanto amor:
- Você está dando para a mamãe o seu coração, meu querido?
E ele, mais uma vez ensinando-me que a vida pode ser simples,
responde-me:
- Não mamãe, é só um pirulito!
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