quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Otorrino


Francisco fica muito rouco. Com frequência perde a voz. Às vezes com dor de garganta, outras sem, mas volta e meia ficamos sem ouvir sua doce e estridente gritaria. Não que isso seja ruim, confesso que nossos ouvidos agradecem, pois além de nossos tímpanos serem presenteados apenas com o gritedo de Pedro, este também se põe a gritar bem menos, pois, criança solidária que é, acaba deixando de acompanhar o irmão.
Mas os fatos, porque repetidas vezes ocorridos, nos preocupava, mais a mim do que ao pai, confesso. Vai que há um calo em suas cordas vocais? E, como mãe devota, histérica e psicótica que sou, achei por bem logo investigar a razão dessa rouquidão que me afligia.
Ao contar minha aflição à pediatra, esta me olhou de lado como quem resolve não contrariar e largou um pausado “t u d o  b e m”,  me incentivando a  procurar um especialista. A julgar pela cara que fez cheguei a pensar que o especialista era para mim, do tipo psiquiatra.
Liguei e marquei a consulta. Francisco foi revirado do avesso e nada. Decidiu o doutor  otorrino por requisitar alguns exames, dentre os quais uma laringoscopia.
Passados alguns dias retornamos ao consultório para a tal laringoscopia. Eu já havia previamente alertado Francisco que não seria nada fácil e sequer agradável. Antes não tivesse antecipado o terror, o menino mal dormira no dia anterior. Quando o médico nos chamou na sala de recepção do consultório, Francisco se levantou e com passadas bem lentas e calculadas foi se aproximando da cadeira de exame. Não consigo imaginar o que tenha pensado nessa hora, mas certamente posso supor o que pensou quando viu o equipamento que em breve seria utilizado: um bastão do tamanho e espessura do cabo de uma colher de pau com uma câmera amarrada na ponta.
Segurando o equipamento com as duas mãos o médico olhou com carinho hospitalar para o Francisco e disse-lhe:
-Agora abra a boquinha pra gente fazer o exame na sua garganta.
É certo que o pequeno pensou: “nem abrindo a boca esse treco vai facilmente entrar na minha goela”. E ele tinha razão. Não foi nada fácil.
Tivemos eu e o médico que utilizar da força física para segurá-lo. Como os pequenos podem ser fortes. Sai com o rosto e com o coração arranhados. O rosto pelas unhas que nunca mais esquecerei de cortar e o coração pelo olhar brilhante de lágrimas que suplicava-me por uma resposta à pergunta:
- Até tu mamãe? Por que me abandonaste?
Incrível como o olhar pode dizer mais do que palavras.... e  como o coração pode escutar mais do que os ouvidos.
Mas a sessão de terror não durou para sempre e depois de concluída o médico apanhou um pote de vidro cheio de pirulitos, olhou para Francisco e lhe ofereceu um dos doces. O menino mais do que prontamente sorriu com verdadeiro contentamento segurando o pirulito com real devoção. Tratava-se certamente de um pote mágico capaz de levar ao esquecimento as agruras da vida, quisera eu ter um daqueles também.
Interessante... em apenas uma fração de segundo Francisco já estava feliz e radiante. Esquecera a dor com tamanha simplicidade e facilidade que me deu inveja, fazendo-me sentir idiota por ter sofrido em demasia o seu sofrimento.
Já novamente na sala da recepção para marcar o retorno, Francisco consegue abrir o doce que o médico lhe dera, revelando-o vermelho e em formato de coração. Nesse instante olha-me com ternura, os olhos recheados de carinho e me oferece uma lambida:
- Pra você mamãe!
Enternecida e mais uma vez valorando o sentimento excessivamente, pergunto-lhe quase explodindo de tanto amor:
- Você está dando para a mamãe o seu coração, meu querido?
E ele, mais uma vez ensinando-me que a vida pode ser simples, responde-me:
- Não mamãe, é só um pirulito!

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