sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Acampamento


A semana fora quente, colorida e ensolarada. A previsão do tempo não revelava o mesmo padrão para o iminente final de semana. De regra tal fato não chamaria nem de longe sua atenção, afinal mais de trinta anos vivendo na imprevisível Curitiba tornaram essa mudança de tempo comum. 
Mas nesse final  de semana em particular o tempo a atormentava. É que o marido decidira  levar o filho de 7 anos para acampar... no Pico do Marumbi.
Tentou dissuadi-lo da ideia que lhe parecia de jerico. Fora em vão. Ele revelou, para  surpresa da esposa, o improvável: podia ser mais teimoso que ela. Embora ele dissesse que a atitude não revelasse teimosia e sim determinação, era teimosia sim. E isso ela teimava em afirmar. 
Enfim chegou o sábado. Dia quente e abafado. O bafo do ar era como o sopro de Deus avisando a todos que a chuva viria. Pois sequer isso foi eficiente para afastar a tal “determinação” do marido. E, bem da verdade, sequer poderia ser diferente ante a excitação do menino, já cuidadosamente trajado de escoteiro, cantil a tiracolo, lanterna em punho e vários pacotes de guloseimas ordinariamente proibidas enfiadas na mochila. E assim foram os dois desbravadores rumo àquela que se apresentava como uma desastrosa aventura. 
Sempre achei que toda mãe fosse um pouco vidente, capaz de prever o futuro. Se estiver errada é porque talvez todas sejam meio bruxas, capazes de influenciar o futuro. Assim digo porque dito e feito. Choveu, e choveu muito. São Pedro resolvera fazer a faxina do ano! Ela não conseguia parar de pensar no entrevero que estaria sendo a aventura de seus homens. Já o marido não conseguia parar de tentar encontrar uma desculpa, justificativa ou qualquer outra coisa razoável para evitar o que seria o inevitável comentário: “eu te disse!” Ele não poderia dar o braço a torcer, tudo menos isso. Claro que não encontrou! A esposa venceria. 
Mas como disse, tudo menos vencido. Tratou de ter uma conversa de homem com o filho. Olhou-lhe nos olhos, e, esforçando-se para diferenciar a mentira da necessidade disse-lhe: 
- Filho, não vamos contar à mamães que choveu, tudo bem? Não precisa dizer nada, só não vamos contar que choveu! 
O filho, cúmplice nato do pai, pareceu entender e de imediato e com entusiasmo concordou, selando uma aliança que certamente traduziria no futuro a base de uma relação duradoura e recíproca de amor e devoção paternal. 
Mas algumas coisas na vida têm a perna curta.
Chegaram em casa sorrateiros e sem a esposa notar jogaram a roupa molhada no tanque na esperança velada de que somente a diarista no dia seguinte visse. Mas as mães têm olhos de águia. Enxergam tudo. Claro que ela viu a roupa entulhada, molhada e coberta de lama. Torceu o nariz, rodeou o filho, fez-lhe um carinho sobre os cabelos e dirigiu-lhe algumas perguntas inocentes, todas prontamente respondidas com detalhes minuciosos. Em seguida e repentinamente indagou-lhe, de forma firme mas despretensiosa: 
- Filho, choveu no acampamento? 
Ao contrário da reação do menino para o interrogatório anterior, para esta indagação não só ficou calado, como também imóvel. Com o pescoço duro, movia somente os olhos, tentando com o canto do olho avistar seu cúmplice, tal como reagiria o prisioneiro capturado que anseia pelo resgate improvável. Contudo, o resgate não veio!
O filho, sem outra alternativa, mas decidido a não entregar o aliado, rendeu-se a pergunta da mãe e, mostrando que a mentira tanto pode diferir como se confundir com a necessidade, disse-lhe:
- Não, mamãe, não choveu, a gente só ficou um pouco encharcado. 
Ela não pode conter o riso. Não só pela graça do momento que revelava a criatividade do pequeno e a lealdade para com o pai, mas também porque ao final ela poderia dizer ao marido: Eu te disse!
Minha amiga, não sei se foi assim, mas foi assim que vi acontecer!

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